sábado, 13 de outubro de 2012
You know I cherish you my love
E o que quatro jovens britânicos poderiam fazer para mudar o rock? Num país onde estava se vivendo o britpop e ninguém mais aguentava já. O Reino Unido pedia por uma mudança em sua cena musical, mas o que faltava? Aquele empurrãozinho que o Strokes concedeu aos Libertines! Pete Doherty e Carl Barât não colocaram escrupulos em suas músicas. Fazendo o seu debut album um sucesso, Up the Bracket(que também pode ser um termo para cheirar uma)! É livre, é sujo, é inovador! É a quimica da parceria Doherty e Barât que nos dão saudades até hoje, uma quimica que o mundo não via desde os tempos Lennon/McCartney. Horrorshow nos trás experiências sobre drogas, Boys in the Band com rixascom seu antigo integrante que se mudou para o Razorlight por querer fama e não ter acreditado no sucesso dos Libertines, acabou se coçando e ficou de cara no chão. Radio America que é mais calma do disco nos parece estranha, e acabou entrando por causa de uma aposta perdida. São os tempos que se foram, os Good Old Days que sempre nos lembram: But if you've lost your faith in love and music the end wont be long. E assim aprendemos essa lição com os Libertines, que nunca devemos perder a nossa fé na música! O disco ainda contou com a super produção Mick Jones do The Clash que apostou sua sorte nos garotos e não se desapontou com o resultado. Considerado pela Pitchfork o 138 melhor disco de sua lista, de 200 dos anos 00's. 44 pela Uncut, 10 dos melhores discos britânicos pela NME, e também como o melhor segundo álbum da decada.
domingo, 19 de agosto de 2012
It's up to me now, turn on the bright lights - 10 anos do primeiro disco do Interpol
Hoje se completam exatos 10 anos do lançamento de um dos discos mais importantes da última década.
Particularmente, é um dos meus discos preferidos de todos os tempos. Porém, a afirmação sobre a importância de Turn on the Bright Lights, do Intepol, vai muito além de uma questão pessoal. É um marco para a música pop e, apesar do fato de não ser um disco conhecido pelo grande público, representou a retomada de uma sonoridade que havia tido seu auge nos anos 80, como uma elegância e qualidade sem precedentes.
Não há muito o que se falar, mas você pode ler o texto que o Stereogum escreveu sobre o disco aqui (em inglês).
A Brunna, uma das metades do @indiedadepre, também escreveu seu depoimento sobre o marcante disco do Interpol:
Enquanto Nova York estava em tempos do indie rock sujo e alcoolátra dos Strokes, em 2002 a cidade recebe uma nova cara, são quatro rapazes de terno, trazendo de volta um som representativo do final dos 70. Paul Banks caía de cabeça em Joy Division e renovou o pós punk. Com uma voz calma, limpa, clara e grossa, representando seus sentimentos por sexo, letras que precisam de atenção para serem analisadas e um bom vinho.
Ligaram-se as luzes e o Interpol trouxe o Turn on the Bright Lights no dia 18 de agosto de 2002.Passaram por obstáculos, nos apaixonamos por Stella. Seus solos pretensiosos e instrumental que nos faz fechar os olhos e refletir sobre a vida. 10 anos depois e a banda continua a nos fazer o mesmo efeito.
"I can't control the part of me that swells up when you move into my airspace, you move into my airspace"
Ao lado do Is This It, e Funeral, o disco dos nova-iorquinos é um dos marcos do rock independente dos anos e 2000 e, se você nunca escutou a esse álbum, essa é uma daquelas coisas que você não deve contar pra ninguém e correr pra tirar o atraso!
Turn on the Bright Lights, Interpol, 2002:
"Untitled" – 3:56
"Obstacle 1" – 4:11
"NYC" – 4:20
"PDA" – 4:59
"Say Hello to the Angels" – 4:28
"Hands Away" – 3:05
"Obstacle 2" – 3:47
"Stella Was a Diver and She Was Always Down" – 6:28
"Roland" – 3:35
"The New" – 6:07
"Leif Erikson" – 4:00
Por fim, deixo a minha preferida do disco (e da banda):
"Obstacle 1" – 4:11
"NYC" – 4:20
"PDA" – 4:59
"Say Hello to the Angels" – 4:28
"Hands Away" – 3:05
"Obstacle 2" – 3:47
"Stella Was a Diver and She Was Always Down" – 6:28
"Roland" – 3:35
"The New" – 6:07
"Leif Erikson" – 4:00
Por fim, deixo a minha preferida do disco (e da banda):
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Som de vitrola digital: The Black Keys e a novidade envelhecida
David Kimbrough não é um homem
muito conhecido. Afora alguns poucos círculos de fãs do blues de raiz, são
poucas as pessoas que sabem a história por detrás desse nome. Kimbrough nasceu
em 1930, ao lado de um dos epicentros do blues, o Delta do Mississippi. Passou
grande parte de sua vida em beiras de estrada e ruas esfumaçadas e paranóicas.
Noites e mais noites de bar em bar, tocando por comida, dinheiro ou pura
diversão. Ele esteve lá e voltou para contar o que acontece do outro lado.
Estava lá quando Charlie Patton, B.B. King, Son House, Leadbelly e Big Joe
Williams, entre outros, competiam entre si por um curto espaço na vasta noite
dos bares, que afloravam quando a luz do sol se esvaía no infindável
Mississippi. Os olhos e ouvidos de David Kimbrough viam e escutavam aqueles
acordes lamurientos e lascivos, aquelas vozes possuídas e elevadas, enquanto
sua mente se distanciava até o horizonte do futuro e olhava para trás, para
aquilo que ainda faria em sua vida. Suas pupilas dilatavam enquanto outro
cantor ensandecido soltava entre a platéia dançante sofrimentos elétricos,
pesares sonoros. Esses seres que nos olham lá de cima e despejam sobre nós,
intrincados como flocos de neve, acordes de seus instrumentos, ou proferem
palavras que caem de suas bocas e se esparramam pelo chão enquanto nos inundam,
como Charlie Patton ou Leadbelly, eram as companhias noctívagas de Kimbrough;
parceiros de copo, baseados e putas.
O
peculiar sobre David Kimbrough é que, afora singles e alguns bootlegs
espalhados por aí, o primeiro álbum que ele gravou foi em 1992, quando ele já
tinha mais que sessenta anos. All Night Long, o dito, não é
surpreendente ou avassalador. Mas seu som é profundo e cada nota tocada balança
em nossas cabeças como as ondas estourando contra os navios negreiros. Sua
guitarra uiva para nós. O álbum não é espetacular, porque tampouco é a historia
do blues espetacular; pelo contrário, ela é comum, ela é ordinária, da gente,
dos negros, pobres, trabalhadores, gente maltrapilha que vive entre trapos e
farrapos. O blues, e também o álbum estão apenas de passagem; não devem ser
enquadrados em épocas, rotulados em estruturas musicais, nem sequer podem ser
propriamente descritos por frases amontoadas em parágrafos. Quando escutamos as
palavras quase inteligíveis que Kimbrough emite rasgar o som monótono e
pulsante que sua guitarra produz, uma estranha sensação se apodera do corpo.
Aquela voz arcaica, carregada de voodoo, de segregação racial, de enforcamentos
e linchamentos, de sensualidades transgressoras e sabedoria das ruas, nos
algema os ouvidos e nos força a vê-la ser chicoteada. Sua voz antiga e quiçá
áurea revela um homem que verte experiência por cada poro de seu corpo. Em 92,
quando entrou na pequena igreja onde o álbum foi gravado, Kimbrough era já
vivido, distinto, batido, calejado e tão anabolizado que seu corpo doentio era
impenetrável, tal qual um Burroughs. Aquele tipo de pessoa que possivelmente
nem um soco dado com toda força existente em um corpo seria capaz de alterar
algo em sua fisionomia áspera e sisuda. Kimbrough não entrou naquela igreja
apenas como um músico prestes a fazer seu trabalho, junto com ele, em sua
sombra, entrava ali naquela igreja a poeira cósmica do blues.
Seu disco não
é surpreendente, sequer notório, é apenas uma hipnotizante lamentação de alguém
que já nasceu velho demais pra esse mundo. Alguém que conhece as avenidas,
estradas e highways talvez melhor do que todos nós e que viveu para contar como
foi que o mundo acabou. All Night Long é um disco envolvente e carregado
de movimento. Seja pelo baixo cardíaco de sua guitarra ou pela bateria que o
próprio filho de Kimbrough toca. O som nos leva por um longo e estreito caminho
para além dos confins da memória de Kimbrough, cruzando os rios e mangues do
Mississippi, até os caóticos centros urbanos atuais. Através de suas harmonias
arrastadas, seus fraseados que mais parecem entoações centenárias de escravos,
e seus riffs sujos e pesados Kimbrough reconta a história do blues.
O fato de o
álbum soar como se tivesse sido feito em alguma outra época é exatamente sua
magia. Ele é cru demais para os noventa. É sombrio demais para aquela década
repleta de extravagâncias sonoras. Não oferece, em nenhuma faixa, a impecável
produção de sucesso garantido, porém zero ousado que David Foster deu para o
hit de Whitney Houston, I Will Always Love You, nem as harmonias joviais
e agradáveis dos Boyz II Men. Já comparado ao hit Jump do Kriss Kross, as
músicas de All Night Long são tão caretas quanto um corretor de imóveis
em plena segunda-feira em horário de pico. Isso se formos falar sobre as
músicas de R&B de 1992, por que se formos considerar sons da esfera do
rock, algo saindo de Angel Dust(1992), do Faith No More, ou Dirty(1992),
do Sonic Youth, All Night Long é como um gole de refrigerante perto de
um gole de absinto em chamas. O álbum não oferece nada senão uma agradável
volta por entre alternativas sem soluções. Ele soa como um reconfortante e
misterioso consolo para uma dor que ainda não sentimos. Nos impele a seguir em
frente, a pegarmos uma carona com ele. Mostra que alguém lá fora conseguiu
exprimir em notas musicais muitas de nossas frustrações, angústias, medos e
tristezas. Como o blues, o álbum fica suspenso no ar, feito uma idéia fixa. Ele
pede algum tipo de reação. Nós temos que erguer as mãos para toca-lo, cabe a
nós escuta-lo e deixar o som nos levar por todas as estradas que ele quiser
trilhar.
Quem se deixar
ir, será conduzido por Kimbrough por entre os fragmentos de sua vida, enquanto
ele revela um som total de seus antecessores. Cada nota que eles tocaram, cada
solo que eles fizeram, o grito angustiante e o choro desesperado, igualmente a
fúria libidinosa que seus antecessores nos deixaram estão impregnados nas
músicas de All Night Long. O álbum atravessa a historia, engolindo e
modificando aquilo que ele [re]encontra pelo caminho. Assim como a historia,
ele é um álbum aberto, capaz ainda de gerar novas conexões, re-escrever-se
quantas vezes for possível. Ele é atemporal. Flutua sobre nós em seu próprio
momento, feito uma memória persistente, uma música que costumávamos ouvir
quando nós éramos inocentes e despreocupadas crianças. A música soa como um
pulso elétrico pelos imbricados músculos e minúsculos filamentos do corpo. É
uma conexão direta com a história em formação do blues, um gole de álcool, um
ascender de cigarro, uma ação no presente.
A espetacular
Meet Me In the City soa como um uma viagem no banco de trás de um carro
conduzido por um velho e extremamente sábio motorista. A antiga e reconfortante
paisagem que desliza pelo enquadramento que Kimbrough traça com sua guitarra
nos leva a um passeio através de décadas. Algo como ter Blind Boy Fueller
solando com John Lee Hooker na base, ou um híbrido entre B.B. King e Big Bill
Broonzy. A música se movimenta em direção ao passado, estando cada vez mais
perto do presente, do nosso presente. Ela se desdobra diante de nós, feito um
tapete vivo, e termina onde o futuro começa. É um convite ao eterno encontro de
esquinas, da Celebração com a Saudade. A voz de Kimbrough ressoa como o canto
sofrido e despedaçado dos escravos da roça libertos, tendo que ir aos grandes
centros urbanos para submeterem-se ao trabalho forçado. A saída alforriada da
roça e o despertar do mundo moderno. A fusão das cores de pele e nacionalidades
ao balé de sons e corpos do asfalto. É uma música em completa urgência
ambulante. Sua voz de indefinida tristeza crepita ao final de cada palavra,
como uma erupção de dor e perda, ou o estalo do chicote que rasga a pele. A
música parece nadar suavemente pelo Mississippi, até o Golfo do México,
abrir-se para o Atlântico e arrebentar-se contra a costa Africana; e as
incontáveis gotas desse vagalhão transformam-se em lendas sobre leões e
rinocerontes, em sabedorias ancestrais contidas dentro de crânios idosos, em
savanas, rios impenetráveis e o coração das trevas, que emite, de seu
epicentro, do início das civilizações, todas as histórias do concreto e asfalto
que nunca verá. E faz isso para nos mostrar como é fina a linha da vida, como é
tênue a fibra do amor, como é longa nossa viagem em comunhão, aqui estamos,
debaixo da chuva com sol torrando, olhos entrelaçados, errantes desconhecidos e
tão similares. Aumente o som.
A voz de
Kimbrough ribombou por entre ouvidos, preenchendo o fecundo e silencioso espaço
entre palavras. Ecoou, desde o passado, um som de rizomas, com formas abertas
como fogos de artifício. É uma das vozes mais convidativas que já ouvi, ela nos
transporta. E talvez ninguém tenha aceitado o convite, gostado tanto dessa viagem
no banco de trás, ou se deixou ir tanto quanto Dan Auerbach, o vocalista e
guitarrista dos The Black Keys. Segundo ele mesmo, passava dias escutando
Kimbrough, tocando ‘junto’ com ele, só os dois; um presente fisicamente e o
outro apenas em ondas sonoras. Sabia as notas de cor, conhecia tão bem o jogo
que alongava e assimilava as músicas quando quisesse, dando ao som seu toque. A
admiração de Auerbach por Kimbrough pode ser vista no primeiro disco dos Black
Keys, The Big Come Up(2002), e também no segundo, Thickfreakness(2003),
onde eles fazem covers de Kimbrough, Do The Rump e Everywhere I Go.
São músicas geniais porque são similares apenas como sons sensoriais. Uma é o
desdobrar-se da outra, uma miragem, um eco sentimental.
Depois de três
álbuns e um EP, os Black Keys lançaram seu primeiro e único álbum composto
inteiramente de covers, Chulahoma, The Songs Of Junior Kimbrough(2006).
Ele soa como se fosse o primeiro álbum da banda, como se ali estivesse a
essência de seu som, de tudo que veio antes e depois daquilo. O álbum é tão
demolidor que a própria viúva de Kimbrough, Mildred, aparece na última faixa,
uma gravação telefônica, onde ela diz que Auerbach é “talvez o único que
consegue tocar como Kimbrough.” Uma frase no mínimo intrigante. Ela sugere que
Auerbach não é uma cópia. Ele toca como Kimbrough não porque ele toca igual,
mas porque ele toca naquela rotação, naquela vibração, daquele jeito
melancólico e chamejante. Tudo que o Auerbach tocou antes ou depois de
Chulahoma está dentro desse álbum. Sua essência e exuberância estão contidas em
faixas como Meet Me In The City e My Mind is Ramblin. São nos longos e intensos
segundos dessas canções que Auerbach deixou de ser Dan por alguns minutos e
tornou-se parte da corrente sonora que atravessa o caos e a ordem de cada
célula, segundo ou contato. Ele refrata e reverbera o blues, deixa de ser
apenas um músico e vira um pictograma sonoro. Produz lágrimas elétricas com sua
guitarra, pontuadas precisa e economicamente pela bateria de Patrick Carney.
Ao final do
álbum, nada resta senão a impermanência e o alento da lembrança de ecos,
distorções, feedbacks e pratos surrados; enquanto uma brisa sopra uma fina
camada de tristeza que parece pairar apenas sobre nossas cabeças. Sua sombra é
uma longa e persistente música. A voz de Auerbach, como a de Kimbrough, parece
revelar algo sobre aquela pessoa que canta, que nem ela própria imaginava. É
uma voz tão verdadeira e genuína que qualquer um pode se ver na pele daquela
pessoa. Ambos são homens de poucas notas, mas que dizem o necessário e
suficiente. Em Chulahoma pode-se notar os cortes bruscos, o edaz grito
abafado, as dispersas frases ditas sem grandes explicações, as digressões
pessoais e tão comuns, os rugidos e berros da guitarra, o passo firme e
constante da bateria, com um bumbo soando como pequenos big bangs que os Black
Keys floriram seus álbuns, desde The Big Come Up até El Camino(2011).
Como se fosse possível costurar uma linha por entre músicas de todos os álbuns
com cada música de Chulahoma.
Chulahoma
não é o melhor álbum dos Black Keys, longe disso, mas é um disco que revela,
para qualquer um que o escute, a alma inquieta e triste de Auerbach. É um ótimo
álbum para entende-lo, sua forma de tocar a guitarra, de compor e de cantar
como se aquela fosse sua última apresentação. Bom também para sacar a bateria
de Carney, em constante e prolixo diálogo com Auerbach, contida e tão
expansiva, e com a mesma delicadeza de um gorila em uma loja de antiguidades.
Ao mesmo tempo em que o álbum contém, de certa forma, o som total dos Black
Keys, ele também é totalmente anacrônico com o resto da discografia deles. Isso
porque ele apenas ressoa os outros álbuns, como que sugerindo um quê de
duplicação perigosamente boa; ele pisca com apenas um olho para os outros
álbuns. É como Mildred disse, o álbum soa como tudo que os Black Keys
fizeram antes e depois; como uma semente. Dentro dessa semente, durante aquelas
seis faixas do álbum, Dan Auerbach e Patrick Carney não existem mais, existe
The Black Keys, a dupla de magos errantes que captou uma estranha e antiga
freqüência. Como um disco que uma menina levada e curiosa descobre dentro de um
batido baú, perdido no sótão de seu avô. Soaria envelhecido em 1942, em 1978,
bem como em 2006. E esse envelhecimento implacável de cada faixa, que habita
uma antiga paisagem, uma memória nossa, é o melhor elemento dos Black
Keys.
Esse é o
mistério dos Black Keys, e de Kimbrough, essa novidade envelhecida. Eu sempre
escuto algo novo quando escuto as mesmas músicas. Elas são sempre novas, porque
soam como se tivessem sido feitas em um outro plano, onde não existem medidas
ou estruturas. São sons muito diferentes de sons de época, são experiências,
são convites, são histórias contadas por pessoas não identificadas, mas por não
haver identificação, estão sempre abertas. Qualquer um pode ir ali e pegá-las,
ou apenas escuta-las. Auerbach canta como se suas feridas ainda não abertas já
estivessem sendo cicatrizadas com cola de bastão. Carney toca e nossos corações
batem junto com seu bumbo, nossas agonias gritam com sua caixa, e nossas
paixões arrebatadoras sentem o eco de seus surdos. O tom da voz, a presença do
cantor, a levada descompassada, mas sensual da bateria nos revelam uma banda em
completa sintonia e capaz de fazer um som absurdamente bom. As batidas dadas
entre os impulsos nervosos da guitarra descompactam nossas visões racionais e
lineares, nos conduzindo por diferentes caminhos entre ruas separadas por
décadas.
Escutar Black
Keys é como estar em um baile de formatura, onde o tom das pessoas ali presente
é o da vitória e conquista, do clímax antes do gozo. Somos jovens por mais uma
música, mas jovens já velhos, jovens que sobreviveram à escola, capazes de
qualquer coisa. Notas agrupadas nas ora suaves, ora brutas melodias. Harmonias
dissimulantes que acobertam grandes perdas. Cada música traça uma paisagem
caleidoscópica, sempre diferente, jamais se repetindo, guardando dentro de si
todo o mistério que há. É um som tão denso e pesado que parece que eles
conseguiram condensar a potência sonora de todo um estádio amplificado dentro
de um minúsculo quarto. As notas são dispostas sobre um louco tabuleiro,
indicando uma constante movimentação em padrões já familiares, mas que
estranhamente nos surpreendem, como um turbilhão de novidades.
Eis os Black
Keys, sete álbuns desde sua estréia em 2002, com Grammy no bolso, deixando seus
fãs fazerem os pôsteres de seus shows pelos EUA, com clipes toscos e
inteligentes, e vídeos virais. Vá a um show dos Black Keys e verá um grande
número de pessoas tendo orgasmos sensoriais. Escute Everlasting Light e,
quem sabe, você entendera. É uma música perigosa por ser assexual, além de ser
totalmente erótica, “oh darling, can’t you see, it shining just for you.” Que
tal misturar um filme western com um suspense de Agatha Christie? Escute Psychotic
Girl e saberá que é possível. Quem sabe botar o punk pra soar meio funk? Escute The Breaks. Que
tal condensar o delta blues em um minúsculo amplificador, e soltá-lo em meio à selvageria
do concreto urbano? Escute Keep Me. É muito fácil falar que Black Keys
soa como muitas bandas antigas, porque, de fato, eles soam, mas explicar o
porquê disso, isso ninguém consegue. Mostrar onde é parecido ninguém mostra sem
ter que mentir um pouco. É um mistério: som de vitrola digital. Como All
Night Long, os Black Keys estão parados no tempo, esperando mais alguém
apertar play, ou ir a um show. E quando eles terminarem, e ambos morrerem, sua
música ainda será virgem, será ainda nova para muitos jovens. Porque a música
dos Black Keys não está fixa em lugar algum, ela soa estranhamente familiar; um
eco que em nós perdura, sem nós nos darmos conta, e transforma novas melodias
em antigas canções.
A cada novo
álbum eles apresentam uma nova textura, timbres diferentes, levadas inusitadas.
Aproveitam as potencialidades da banda como poucos artistas. A qualidade das
gravações vai ficando cada vez melhor, mas o cru sempre se sobressai. É som com
força bruta suficiente para dar vida a um ser morto. Ao final de seu primeiro
álbum eles nos deixam a pergunta, “como que o mundo soaria se ele conseguisse
falar conosco?” Isso depois de ter nos arrasado com músicas cortantes e
explosivas. O segundo disco, Thickfreakness(2003), soa como se tivesse
sido gravado em cima da caçamba de uma pick-up em alta velocidade, perdida em
alguma rodovia que cruza os EUA, Set You Free é ótimo exemplo dessa
sensação; feche os olhos ao escuta-la e verá. A capa do terceiro disco Rubber
Factory(2004) indica quais caminhos o som vai trilhar, com Carney e
Auerbach com pinta de exploradores do século vinte e um, diante de uma paisagem
meio urbana, meio tribal. Um passeio inexplicável pelo mundo da música, porque
em 2004 o próprio mundo era caoticamente inexplicável, com George W. Bush
segurando as rédeas de uma carruagem desgovernada, e o resto de nós sem saber
se o fim realmente crepitava na próxima esquina, com bombas amarradas por todo
seu corpo, ou em forma de jatos supersônicos carregando em seus corpos
metálicos, feito bebês, mísseis e metralhadoras. Já o quarto álbum, Magic
Potion(2006), é, também como a capa, contido e quase rarefeito. Como se o
talismã da capa fosse aberto durante o disco e sobre nós fosse derramado uma
devastadora poção. Attack & Release(2008), é talvez o mais íntimo de
todos. Nos revelando músicos com identidades dilaceradas, com restos
esparramados sobre trilhas sonoras de filmes de Hollywood, apresentações nos
mais variados shows e talk-shows, dos mais distantes lugares e desconhecidas
emissoras, de Akron Ohio, para os confins de qualquer lugar que o som chegue. Brothers(2010),
meu predileto, é parecido com a historia de Jasão e os argonautas. Somente os
mais distintos heróis de seu tempo navegaram ao lado de Jasão, em sua nau Argo,
em busca do velo de ouro. Como as historias contidas nas entranhas da Argo, em
cada uma de suas tábuas e fibras das velas, em cada um daqueles magníficos
heróis, como Hércules, que recontavam todos os mitos que haviam precedido
aquela missão, talvez até aumentando suas glórias e conquistas, Brothers
contém um breve apanhado da música da segunda metade do século vinte em diante.
Um bizarro emaranhado de sons e batidas que fragmentam um enorme panorama de
nossos heróis, de Howling Wolf até David Bowie, Muddy Waters até Alex Turner.
Seu último lançamento é El Camino(2011), um disco composto, quase que
totalmente, por hits pegajosos e dançantes. Como as músicas de Brothers
eram lentas demais para serem tocadas ao vivo, o que lhes gerou um trabalho
extra para adapta-las para os palcos, eles optaram por acelerar o tempo nesse
último trabalho. Não que isso fosse um problema, Everlasting Light, por
exemplo, teve sua velocidade diminuída ao vivo e tornou-se ainda mais sinuosa.
Independentemente, o resultado é um disco de música ligeira e com uma pegada
meio caminhoneira, meio industrial, a primeira característica é resultado da
parceria Auerbach-Carney, e a última é a conseqüência de ter a produção
assinada pelo professor pardal da música atual, Danger Mouse.
El Camino
é um ótimo álbum para essa década que se abre diante de nós, como uma primavera
ensandecida, repleta de promessas e, mesmo assim, completamente carregada de
memórias que preferimos esquecer. Obama não foi capaz de modificar tudo que
prometeu, “a change is not a comin’,” e os fanáticos de Wall Street continuam à
solta pelas ruas de Manhattan. A Palestina continua vagando em meio à clandestinidade
e longe dos inúteis palpites e recomendações da ONU. Muçulmanos e Cristãos
continuam, ainda, seu conflito cada vez mais difícil de se justificar sem ter
que falar sobre a montoeira de dinheiro sujo de sangue que se esconde por
detrás de tudo aquilo. Os trabalhadores e trabalhadoras da China continuam fabricando
nossos confortáveis, porém desnecessários gadgets. Nossos políticos permanecem
nadando em enormes piscinas cheias de champanha, protegidos por uma muralha
burocrática, desenvolvida com nosso rico dinheirinho. Os radicalismos crescem,
a ignorância também, permanecemos desinformados, contudo crentes de que tudo
está sob controle. “What I see
is killing me, you won’t make it alone,” diz Auerbach em Hell of a Season.
Uma música despretensiosa e poderosa, cujo começo parece uma regravação
de She’s Long Gone, de Brothers, mas que se desenvolve em uma
trágica história que só consegue consolo com o encontro. A levada parece nos
conduzir por uma viagem por aquilo que foi a década que se passou. Auerbach nos
transporta com sua voz sofrida e angustiada, sua guitarra emite pulsos
constantes, feito sinais de um distante farol, enquanto a bateria de Carney
explode como bombas ou minas explosivas, do lado de fora de nosso veículo
sonoro. Toda estupidez degradante, cada gesto preconceituosamente sem sentido e
ineficaz, assim como cada palavra inútil que largamos pelo espaço ao acaso
passam por nós tão rápido quanto o pique da música. Não sei se foi a intenção
deles, mas foi uma sacada genial fazer a música seguinte se chamar Stop Stop,
bem como fazer seu ritmo ser totalmente quebrado.
Atenção
redobrada em Little Black Submarines, a faixa épica do álbum. Se o álbum
fosse uma família reunida, onde cada faixa é um membro da família, Little
Black Submarines é aquele irmão aberrante que mais parece um elefante fora
de controle. “Será que falamos algo sobre o elefante?” pergunta o pai da
família, Lonely Boy, para a mãe, Money Maker, não há resposta,
obviamente. Ao mesmo tempo em que Little Black Submarines é destoante do resto
do álbum, ela também resume todo o disco, bem como a existência dos Black Keys
até então. A música é uma espécie de conversa entre Auerbach e uma operadora de
telefone, onde ele faz suas lamentações para ela. Em pouco tempo, percebemos
que suas lamentações foram, na verdade, nossas lamentações nessa década que se
passou. Nossos corações quebradiços estão agora totalmente cegos, como diz a
letra. As vozes que nos chamavam se perderam no tempo, sem que nós tivéssemos
tempo para vê-las reluzir. Não foi uma década particularmente profícua ou boa
para os Norte Americanos, sequer para o resto do mundo, e Auerbach parece nos
transmitir isso como ninguém. A música começa com Auerbach e seu violão, no bom
e velho estilo folk. Auerbach vai destrinchando tudo aquilo que acabou por nos
decapitar nessa última década, revivendo cada dor e perda entre suas sílabas.
Carney entra, ao fundo, feito explosões vistas do céu, de dentro de um avião;
distantes, porém não menos letais. Eis que Auerbach entra com sua guitarra,
soando como um trovão. Criando um enorme redemoinho que consome tudo aquilo que
chegar perto dele. “Treasure
maps/ falling trees(…) Stolen friends and disease, operator please/ pass
me back to my mind,” sentencia Auerbach, como que jogando mais combustível no
redemoinho, embora inconscientemente, em um ato já mecânico e sem sentido
algum; como a maioria de nós vive. “The voices calling me/ they get lost and
out of time,” diz Auerbach instantes antes de aniquilar tudo aquilo que passou
bem diante de nós: mísseis, bombas, jatos e cargueiros, porta-aviões recheados
de armas de destruição em massa, metralhadoras, infâmia e miséria, fome e inescrupulosa
ganância, imbecilidade reinante e covardia indiferente, promessas sujas e
impossíveis ao lado de falsos começos e tristes lembranças que optamos por
enterrar em nossos inconscientes.
Até a
wikipedia pode lhe dizer quem são os Black Keys, o que quase ninguém vai te
dizer é que eles, bem como Kimbrough, durante os breves, porém incessantes e
persistentes segundos que compõe suas músicas, deixaram de ser pessoas,
artistas, para tornarem-se ecos, reverberações, distorções e amplificações de
sons. Não há como encaixa-los em esquemas ou definições. É preciso, acima e
antes de tudo, experimenta-los, aceitar seus convites, embarcar na viagem no
banco de trás do carro. É um som que evoca lembranças, momentos
semi-esquecidos, mas que ainda permeiam nossos pensamentos. A novidade
envelhecida do som de vitrola digital. Álvaro de Campos nos disse certa vez,
“muito a leste não fosse o oeste já! Pra que fui visitar a Índia que há/ Se não
há Índia senão a alma em mim?” Se não há Índia senão a alma em mim é exatamente
a grande característica de Kimbrough e dos Black Keys: eles não tocam nada, nem
blues ou rock, o som é que soa através deles. Quando escutamos aquela música
não há meios para classifica-la em irrisórios “isso é tal, aquilo é tal,” o
fundamento nos foge e as tabelas se tornam por demais elusivas. Estão sempre um
passo a frente de nossos julgamentos. Estão a cada novo álbum nos trazendo algo
familiar, embora borrado e impreciso, como um passeio demorado em um elevador
que fizemos quando crianças, uma viagem de carro em família, um fim de tarde
com o animal de estimação, qualquer coisa. É uma música tão arrebatadora quão
verdadeira, diferente do mundo que a rodeia. Ela é um dos poucos pedaços de
real que vagam entre nós nesse atual momento. Escutar essas músicas é ver um
retrato de si mesmo(a) flutuando em um distante horizonte, pairando sobre os
desertos de seu próprio tempo, onde revemos cada uma das pessoas que já conhecemos,
acenamos e seguimos em frente, para o agora. Seu tempo é ontem, mas seu tom é
hoje até o último gole de segundo. Feito uma vitrola com conexão USB, ou um
aparelho ultramoderno de som disparando para todos os lados uma valsa de outras
gerações. Os Black Keys não são uma banda de rock, são a alma do rock. Quando
nós achamos que conseguimos entender seu som, eles mudam toda a estrutura,
alteram o tempo, diminuem, aumentam, refratam, distorcem, o que for, o que der,
ou até o que não der, afinal, muito a leste já é o oeste.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Você é moderno? A gente te leva ao futuro da música. A gente te leva ao Sónar. (e o Youtube também)
Nos dias 11 e 12 de maio desembarca em no Anhembi em São Paulo um dos maiores festivais do mundo e, assumidamente, um dos meus preferidos do país nesse ano. Como traz em seu próprio nome, o Sónar é um festival de Música Avançada e New Media Art. É o futuro da música e da arte, é o que elas se tornaram, como se tornaram e pra onde elas devem caminhar daqui pra frente. Tendências, o moderno, o contemporâneo, tudo numa grande exposição para apreciação, sem se esquecer é claro, do passado que nos guiou até aqui.
E as atrações do line-up não mentem quanto à filosofia e porte do festival: Justice, Mogwai, Cee-lo Green, Chromeo, Cut Chemist, James Blake, Skream!, Little Dragon, Austra, Emicida, Criolo, Gui Boratto e a cereja do bolo, pra mim, o Kraftwerk, simplesmente uma das bandas mais importantes de todos os tempos, que foi escalado aos 45ª do segundo tempo, numa substituição magnífica à islandesa Bjork e traz ao país seu show 3D que eles levaram o MoMA em Nova York por oito noites consecutivas (todas esgotadas). Eu já vi o Kraftwerk ao vivo em 2009, quando eles abriram os shows do Radiohead por aqui e acredite, você não vai querer perder isso.
Se você mora longe e não tem como viajar até São Paulo pra curtir o festival, acalme-se, porque o Youtube vai transmitir tudo aqui e na página +AoViVo do Google +.
Agora, se você mora em São Paulo, mas tá sem grana pra comprar o seu ingresso, a gente te dá um forcinha. Basta responder nos comentários, deixando seu twitter, a seguinte pergunta: "Por que o Kraftwerk é uma das bandas mais importantes da história da música?". A resposta mais criativa ganha ingresso pro dia 11 do festival pra acompanhar tudo de perto. O vencedor será divulgado amanhã, 10 de maio, à noite.
Todas as informações sobre preços e pontos de venda de ingressos podem ser conferidas nesse no site oficial do evento.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Beck (ou a representação da música popular americana)
Para quebrar rótulos de que Beck é intragável, postarei aqui um texto sobre este incrível músico, vocalista, multistrumentista que meu professor Matias Cobbert escreveu e me enviou, e eu acabei gostando tanto que vou compartilhar com vocês.
Quando penso em Beck ou o escuto, me vem à cabeça a frase de Cage: “compose not to express but to change myself.” Escuta-lo é estar aberto a novas visões, novos sons, é estar aberto à confusão sensorial. Falar sobre Beck é mais um exercício de pegar o verbo certo do que ter que escolher um adjetivo. Beck é mais sobre o que passa pelo corpo do artista que está a cantar e o que isso provoca em nós que escutamos, do que qualquer outra coisa. Escuta-lo é entrar no processo de erotização da escuta – de que fala Barthes – onde o clímax da escuta se manifesta com a perda do ‘sujeito’ do ouvinte. Escutar Beck é uma perda de costumes e estruturas, de preconceitos e classificações e, também, a aceitação do proibido, a abdicação de escutar algo previsível, é o entrar em um terreno ainda pouco explorado, que é o da música estranha. E o que seria música estranha em um tempo de loucuras? Aqui estou. É uma tarde agradável. Calçadas se esticam um pouco para dentro de ruas. Pedestres formam bojos nas silhuetas imutáveis das sombras dos prédios no asfalto. E eu vejo jovens para cada canto que olho, nunca tivemos tantos jovens como agora. Como trovões, suas vozes ao redor irrompem no mais ensurdecedor barulho e se calam em estado de potencialidade. Olhares intencionalmente violentos, punhos meio mísseis explodem contra esdrúxulas mesas de bares. Corações abertos ao novo mundo que giganteia vorazmente lá fora. Há uma bruta massa pluricelular, de corpos magistralmente desajeitados e rostos sedutoramente perdidos, vibrando objetos de múltiplas funções por aí e nos mirando com aqueles olhos enlouquecidos e ainda totalmente abertos. O mundo é jovem. Um composto de massas diferentes, vibrando, devidamente energizadas e em estado bruto e cru de angústia e agressividade, ora contida, ora manifesta. A falta de limites, a torrente de possibilidades, a culpa de estar vivendo nesse mundo já envelhecido e jovial, constantemente ultrapassado, deixou esses jovens com os batimentos cardíacos mais acelerados.
Isso os faz querer músicas efusivas, músicas devastadoras, basta ver os vídeo-clipes que fazem sucesso e como os artistas se comportam em tais vídeo-clipes, há de ter destruição, erotização latente e um quê de niilismo displicente. Manter, por mais de alguns minutos, a concentração desses ditirambos caminhantes não é tarefa fácil. Por isso vemos espalhadas pela telas do mundo versões ready-made de ícones teen da Disney, commodities transfiguradas em marionetes para empresários-produtores, constantemente substituídas para melhor se ajustarem a padrões que ainda hão de emergir. Vídeo-clipes transformaram-se em verdadeiras obras de arte do mundo da publicidade e propaganda, por isso a linguagem do vídeo-clipe é tão disseminada entre os jovens, com seus cortes rápidos e imagens fragmentadas e desconexas; assim como a idéia geral das coisas que flutuam por aí saindo das bocas dos jovens – uma parte incompleta de algo. Os ídolos são fabricados em uma linha de produção ininterrupta que faz inundar sobre as mentes dos jovens, a cada novo dia, novas possibilidades de adulação barata e descompromissada. Bandas aparecem com o raiar do sol, de tarde estão a receber um grammy e de noite estão envoltos na escuridão mórbida do ostracismo. E para manterem-se dentro do panteão do momento fazem qualquer coisa, casamento relâmpago, morte prematura, reality show acompanhando seus passos, ou um filminho pornô na rede. Afinal de contas, graças a instrumentos como o twitter - ‘defecar um twit, ou o contrário?’, hoje em dia o lema é: comente, procure, baixe, compartilhe. Mas para ser comentado é preciso estar ali sempre que possível.
Pense em fast-food, qual a rede de fast-food que vem a mente? Sua escolha se deu pelo fato desta rede ter os sanduíches mais saborosos ou pelo fato de você estar exposto a sórdida manipulação psico-cultural de propaganda desta rede? Você pode até não gostar desse tipo de comida, mas você vai pensar em alguma rede de fast-food, certo? Nós criamos uma espécie de identificação, de aceitação com aquilo que nos é martelado todos os dias, aquilo deixa de ser estranho e torna-se comum, tão comum que julgamos fazer parte de nossas vidas e acabamos por consumir aquilo, como num rito de iniciação social. E existe aqui um paralelo interessante com a música deste começo de século. Se substituirmos fast-food por música, ficamos com o seguinte: pense nas músicas que estão tocando nas rádios e sendo transmitidas pelas redes de televisão, são músicas que nos revelam algo daquele artista que está ali a vibrar suas cordas vocais, musicando letras ou ordenando acordes em harmonias e melodias, ou são músicas que revelam produtores e marketeiros altamente gabaritados fabricando mais um ícone, mitificando mais um pobre imbecil? Por mais que eu queria responder tal pergunta com a primeira resposta, quanto mais eu escuto as bandas atuais que vendem uma enxurrada de discos, mais sou compelido a responder com a segunda opção. Basta pensar em algum artista que esteja ou esteve há pouco tempo no topo das paradas, agora tente desvencilhar a imagem desse(a) artista, da música que ele/ela toca. Essa é a práxis de nossa cultura midiática, nossa cultura de culto à imagem, à exposição. E essa realidade é latente no mundo da música desse começo de século.
O mundo da moda (da imagem e de tudo que vêm atrelado à ela) e mundo da música andam de mãos dadas hoje em dia mais do que nunca. Se acaso tirarmos os rebolados insinuantes e as roupas alegóricas dos vídeo-clipes mais vistos por aí, ainda saberíamos de qual artista é esse vídeo-clipe? É a exposição total e ininterrupta. A twitização do mundo. Ganha mais quem for mais martelando para dentro de nossas caveiras. ‘Exposição’ é uma palavra chave nos dias de hoje, e quando ela vem precedida por ‘tempo de’, ela ganha uma aura mística para produtores-investidores. Quanto mais tempo de exposição, mais valioso(a) vira o/a artista e sua arte e sua roupa. Esse casamento entre arte e imagem, entre as indústrias de vestuário e as gravadoras é celebrado até hoje em mansões em Beverly Hills, regadas com champanhe e conversas sobre brinquedos tipo um G6. A indústria da moda é perita em criar identidades permeáveis e breves, em estratificar a sociedade em diferentes vestimentas, criando assim as ditas diferentes identidades-tribos: pagodeiros, tecneiros, rappers, metaleiros, etc. A indústria da música, por sua vez, é perita em transformar ritmos em commodities e artistas em produtos: hip-hop virou mainstream e sinônimo de milhões (“it’s all about the Benjamins”) e Justin Bieber deve valer tanto quanto, ou mais que Ike Batista. E o resultado desse casório trilionário é que para fazer sucesso atualmente, para emplacar um ‘hit’ é preciso usar roupas exclusivas, ter uma imagem vendável e estar disposto a transformar idéias em produtos, e tornar-se um ‘símbolo sem essência’, caso contrário, nada de Benjamins pra você, cara-pálida. Lady Gaga pode parecer chocante e bizarra para o observador inocente e desavisado, mas ela é um lógico e previsível resultado da fusão do mundo da moda com o mundo da música, e pequena ajuda das ciências comportamentais. E eu pergunto: estaria sua música seriamente prejudicada caso nós quiséssemos desvencilhar-la de sua imagem?
Não que a união entre música e imagem seja algo nocivo para a música, pelo contrário, acho que essa união só a fortalece, mas quando essa união se torna necessária para que haja a música, acho que fomos um pouco longe demais, e é difícil pensar em cantores e cantoras que fazem sucesso hoje em dia sem que venha à a mente alguma imagem deles(as) em algum flamejante vestido, ou em algum tapete vermelho ou dentro de algum excêntrico carro. Esses são os anos de loucura que estamos vivendo. Cada vez mais os jovens estão comprando cds do artista cuja imagem eles se identificam com. O dj e jornalista Camilo Rocha fez ótima comparação entre música eletrônica e imagem, ele observou que música eletrônica e seus festivais são agora um meio “onde aparência e exclusividade viraram valores fundamentais.” Tal comparação, atualmente, pode ser facilmente ampliada para a ‘música de massa’, ou ‘música que vende’, que não cairíamos em deturpação alguma, basta ligar a televisão em alguma mtv da vida ou inteirar-se sobre os modos de divulgação e/ou promoção dos artistas mais vendidos(as)/escutados(as) de hoje. Hoje em dia, se você é um músico, ouvir alguém falar para você que você ‘é vendido’ já não é mais aquela coisa horrível de se escutar como antigamente, pode até ser bom! Esses são os tempos de loucuras que estamos vivendo, os anos de insanidade coletiva. E é exatamente contra essa maré que Beck rema.
Beck é o oposto disso, e é exatamente por isso que é um cara estranho. É extremamente difícil, pra não dizer impossível, associar Beck a uma imagem, basta dar um google images no cara para você ter uma idéia, a única constância são aqueles olhos afetados e distantes e um algo qualquer que nos diz que ali está um ser ainda não codificado. Dos quatro discos que ele lançou durante a primeira década deste século (tempos de loucura), apenas um – o primeiro, de 2002 – traz uma foto sua, que também pouco revela. Um disco, Sea Change, que ia para o caminho contrário da onda do momento, a dizer pela sonoridade dos três artistas mais vendidos do ano – Eminem, Nelly e Avril Lavigne. Se o som desses três explorava ao máximo a questão da música alterada ou ‘compressed’, aquela capaz de causar sérios danos à audição com o subwoofer certo, o som de Sea Change ia na direção oposta. É um disco cuja turnê poderia ser feita com uma aparelhagem dos anos 60 que ainda assim sairia fiel ao disco. Sua sonoridade é intimista e revela um convite para navegar pelo mar da mudança, “were just holding on to nothing to see how long nothing lasts”. O disco nada nos diz de concreto sobre Beck senão que ele passa por mudanças. Nada é explícito, muito é sugerido, como de costume com Beck.
A mesma dissonância se repete no segundo disco lançado nesses tempos de loucuras. Guero, de 2005, também tem seu lado rebelde diante do posicionamento da indústria musical do ano, que elegeu seus porta-vozes: Mariah Carey, 50 Cent e Kelly Clarkson, respectivamente os mais vendidos de 2005. O que vemos como atitude predominante nos discos “The Emancipation of Mimi,” (Carey) “The Massacre,” (Cent) e “Breakaway” (Clarkson) é uma espécie de culto ao individualismo, com letras que falam sobre prazer, compras e alto-astral de forma tão inocente, distorcida e com tantos clichês que exultam a nossa subjetivação através da identificação com o que eles fazem; nos sentimos emancipados e dispostos a gastar com Mimi, nos sentimos poderosos e o centro das atenções com Cent e tão rasos quanto a débil fisionomia de Clarkson. Eis que surge então Guero, com sua indecifração e completa falta de subjetivação. Um disco que conta com a produção dos Dust Brothers, que Beck não usava desde Odelay (aquele da capa com o enorme Komondor pulando um obstáculo). Com batidas quebradas e samples beirando o dadá, o álbum é um amálgama do que soa como a infância de Beck, (é dito que ‘guero’ era como chamavam Beck durante um período de sua infância que passou em um bairro tomado por Mexicanos, algo como ‘branquelo’) em conjunto com o que foi produzido de pior na história de filmes B e jogos de video-game. Estranho? Definitivamente, mas isso é Beck, um cara cuja alma é “apenas a silhueta das cinzas de um cigarro, e que enterra lágrimas nos capítulos que fechou.”
O terceiro disco lançado durante esses tempos de loucura foi The Information, em 2006. Talvez mais um ano Disney pra quem o vivenciou. High School Musical expandiu um pouco mais o fétido e asqueroso rabo peludo do rato mais famoso do mundo, e isso pôde ser visto com aqueles rostos abestalhados que tomaram conta da televisão. Crianças sorrindo para as câmeras, pensando que poderiam ser elas a próxima Britney ou o próximo Justin, mais um estupro socialmente consentido que terminou com o som horripilante da risada babaca e sinistra do tal rato. Rascal Flats e Carrie Underwood – campeãs de venda no ano, atrás apenas para os nulos do High School – são o retrato falado disso, com tudo devidamente programado, até a acentuação sensual das últimas sílabas da frase, são artistas que vieram ao mundo em um envelope dourado com um grande e chamativo adesivo colado nele, escrito “sucesso aí vou eu!” Enquanto High School Musical, Rascal Flats e Carrie Underwood optam pela rima fácil, a letra sobre conflitos amorosos e a reconciliação, bem como melodias doces e em nada surpreendentes, Beck vai pelo caminho árduo, o de chamar um produtor que queria fazer um disco de hip-hop para fazer um disco de rock alternativo. Parece um flashback dos confins dos anos 60, quando George Martin deve ter escutado algo do tipo, “Mister Martin, they want you to produce this rock’n’roll band called Beetles.” Um produtor de música clássica para produzir um disco de rock? Que falar então de um produtor ‘espacial’, Godrich-Radiohead, que queria fazer um disco de hip hop e foi evocado para fazer um disco de rock alternativo? O resultado é um disco com músicas que parecem mesclar o tribal com o futurismo, (“Cellphone’s Dead” que tece sample de Herbie Hancock com batidas quasi-hip hop), a distorção com sons límpidos, (“Soldier Jane” que mais parece uma viagem às Arabias dentro de um avião do exército Americano), ou Beatles com groove (como em “Dark Sun” que carrega uma energia psicodélica com suas cordas que remetem a “I Am The Walrus” e um baixo que mais parece um Sly Stone em velocidade reduzida). Como se não bastasse tamanha estranheza, Beck ainda produziu vídeos caseiros para cada faixa do álbum com sua família e amigos e amigas, usando câmeras usadas que comprara no E-Bay. Vai saber!?
O que dizer então do quarto e último disco, até então, lançado oficialmente por Beck, Modern Guilt? Seu ano de lançamento foi 2008, quando as paradas foram dominadas por um certo perfeccionismo da parte dos cantores em relação às suas músicas, como é o caso de Alicia Keys e Josh Groban. Groban, com seu ar de intelectual descontraído e sua voz de cantor de ópera, e Keys, com seu alongamento de sílabas em “ohhhs!” forçadamente erótico, abriam caminho para aqueles que ainda acreditavam que a beleza da música está na perfeição da dicção do cantor ou da cantora, e na maestria com que tal cantor ou cantora executa sua música; a palavra ‘respiração’ é chave aqui. Geralmente as músicas serão explícitas em todos os sentidos, é tudo dito, nada é sugerido. Característica esta fortemente presente no número 3, Lil Wayne, cuja habilidade poética é comparável à sua imagem, uma cópia mal feita de Bob Marley com Run DMC. E onde entra Beck? Bombando com um disco meio punk cru, do lado de Beck, com retoques toscos que lembram os anos 60, vindos do cara mais ocupado do ano e produtor do disco, mistah Danger Mouse. O disco em nada se assemelha com a perfeição de Keys e Groban, nem com o convencionalismo barato e dourado de tantos flashes que o nome Lil Wayne traz em sua essência. Mais uma vez Beck surge com um disco fora de seu tempo. A impressão que dá é que o disco é uma remixagem industrial de um disco dub de uma banda punk dos anos 80, feita por algum produtor que tomou ácidos demais durante os 60. Estranho? isso é Beck. Tudo que a música de 2008 teve de perfeccionismo, Beck teve de tosco e quase indecifrável, “and you wait at the light and watch for a sign that you’re breathing.” Tudo que a música de 2008 teve de inutilmente previsível, Beck teve de surpreendentemente bruto, “don’t know what I’ve done, but I feel afraid.”
Terminou então a primeira década deste século que se inicia, desses tempos de loucuras e extravagâncias. Eis que aparece Beck, quase como um hiato brotando do centro da década, uma espécie de reflexão sobre o que se passou pelo mundo da música, bem como pelo mundo de forma geral durante a década que findou. Beck decide regravar o disco de despedida de Alexander Spence, “Oar”. O disco faz parte de um projeto de Beck chamado Record Club, onde Beck reúne os mais variados artistas, inclusive Sérgio Dias e Devendra Banhart, para regravar discos de bandas como INXS e Velvet Underground em apenas um dia. Para Oar, Beck contou com gente como Feist, Wilco e Jamie Lidell. O resultado é um dos melhores tributos que já ouvi. Beck manteve aquela equalização meio ‘isso é o melhor que podemos fazer em 1969’ que o disco original tem, mas aproveitou as maravilhas tecnológicas de que nós dispomos para diferenciar o som de cada instrumento da forma como bem quis. Resultado: um disco que soa antigo e, ao mesmo tempo, totalmente sintonizado com a aproximação com o cru e tosco que muita gente bacana está querendo hoje em dia, Black Keys, MGMT, Arctic Monkeys, etc. E o que dizer de Skip Spence, o legendário baterista e guitarrista que tocou com o Quicksilver Messenger Service, Jefferson Airplane e Moby Grape? Bem, pergunte a Don Stevenson e Jerry Miller, sim, os mesmos que tiveram a porta de seu quarto de hotel estraçalhada a golpes de machado por um ensandecido Spence em 1969. Aposto como eles lhe diriam que ‘Spence era um cara legal, quando não estava sob a influência, é claro.’ Oar foi composto em um hospital psiquiátrico, por um homem visivelmente desequilibrado e que se via diante de sua morte 30 anos antes de ela acontecer. Um dos talentos mais brilhantes da década, que brilhou intensamente por pouco tempo e abruptamente se extinguiu, assim como tantos outros. Mais um que se perdeu em decorrência da falsa promessa de iluminação e de que ‘havia alguém cuidando de tudo no final da linha’, que os gurus dos anos 60 pregavam com sua retórica inocente e maniqueísta, enquanto tomavam feito água uma das substâncias mais misteriosas que o homem já produziu, lsd. O álbum soa, mesmo hoje, como uma elegia do mundo, “out in the streets, the sick that you meet, how many friends do you call your own?” Ao escuta-lo me vem à cabeça uma fotografia borrada, porém acusadora de nossas ações diárias, “weighted down by possessions.” Esse é o recado de Beck para nós? O futuro da música está na busca incessante pelo passado para trazer algo contemporâneo, na relutância em se tornar um narciso qualquer e na habilidade de insinuar e sugerir ao invés de falar? Estamos nós vivendo agora tempos de loucuras, onde a melhor postura a ser tomada é a de ser estranho diante disso tudo? “Between my lips are words that surface through you, I’m just trying to get a message through you, to you, for you, I will.” Oiticica disse: “os fios soltos do experimental são energias que brotam para um número aberto de possibilidades,” Beck parece ter entendido isto perfeitamente, enquanto mergulha sem pudores contra a maré da industria musical, sempre experimentando algo novo, sugerindo caminhos não convencionais e gravando músicas que nos mostram que o grande músico não compõe para se expressar, mas sim para mudar a si mesmo e a quem o escuta!
segunda-feira, 30 de abril de 2012
Promoção: concorra a discografia do The Libertines + “Boxer”, do The National.
Libertines e National registraram suas marcas no rock na virada dos anos 90/00. Não seria justo estas bandas passarem sem uma homenagem. A LAB 344 relança a discografia do Libertines (Up The Bracket! e The Libertines) e Boxer, quarto disco dos americanos, na série LAB. ROCKS!
Em parceria com o eles estamos sorteando três kits que incluem a discografia do The Libertines e o álbum “Boxer”, clássico do The National. Para concorrer, basta seguir a @LAB_344 e o@indiedadepre e retweetar a seguinte mensagem: “Sigo @LAB_344 e @indiedadepre e quero a discografia do Libertines + Boxer, do The National na minha prateleira http://kingo.to/14Nx”
A promoção vai até a próxima sexta-feira, dia 04 de maio, quando acontece o sorteio às 17h. Não perca esta chance, participe!
A LAB 344 trouxe para o Brasil e tem em seu catálogo uma quantidade enorme de discos extraordinários. Confira os títulos aqui.
domingo, 29 de abril de 2012
I whip my hair back and forth
29 de abril é o dia mundial da dança! E nós como profissionais de dança na cadeira, não podiamos deixar essa data em branco. Para comemorar essa data em parceria com André de @YouMeDancing criamos mais uma de nossas playlists, e dessa vez com 22 músicas que mais nos fazem rebolar em cima da cadeira e bater cabelo.
A playlist é composta pelas músicas:
MGMT - Kids
Friendly Fires - Skeleton Boy
Foster The People - Call it What you Want
Miami Horror - I Look to You
Blur - Girls & Boys
Kids of 88 - Everybody Knows
Black Kids - I'm Not Gonna Teach Your Boyfriend
How To Dance With You
The Big Pink - Tonight
Blondie - Call me
Florence and the Machine - Kiss with a Fist
The White Stripes - Fell in Love with a Girl
Muse - Hysteria
Arctic Monkeys - I Bet you Look Good on the Dancefloor
Two Door Cinema Club - Undercover Martyn
The Killers - Spaceman
Interpol - Slow Hands
Franz Ferdinand - This Fire
LCD Soundsystem - Drunk Girls
The Vaccines - If you Wanna
Vampire Weekend - A-Punk
Gogol Bordello - American Wedding
Joan Jett and the Blackhearts - I Love Rock'n Roll
Link: http://www.mediafire.com/?9frnufoi547mxwt